Se a melhor maneira de captar a alma de um povo é provar da sua comida, torna-se fundamental experimentar a comida das ruas, por onde transitam seus habitantes. Afinal, a comida de rua é tão antiga quanto as cidades e anterior àquela servida nos restaurantes. Ela é a raiz da culinária de um país.
Comer é aprender
Comer na rua, além de ser uma forma de entrar em contato com a alimentação de um país, é uma ótima maneira de conhecer os hábitos de seus habitantes, é um programa social: sempre existe uma interação, um papo entre os comensais. Ali, todo mundo está preocupado só em matar a fome. E isso nos iguala quando estamos de pé sobre a calçada: porque comer na rua não exige pompa. O diretor da empresa pode estar ali aproveitando a passada na barraca de pastel para enganar o estômago depois de horas de reunião, assim como o trabalhador aproveitou a hora do almoço – e o preço mais acessível – para garantir ali mesmo sua refeição.
Foi a interação e a acessibilidade que caracterizam esse tipo de comida que levou o diretor de cinema Sérgio Bloch a criar um projeto interessante sobre os vendedores ambulantes do Rio, sua cidade natal. Em 2008, ele rodou um curta-metragem sobre a gastronomia de rua carioca, chamado Na Boca do Povo. O pequeno filme aguçou ainda mais seu apetite por mostrar as histórias dos personagens da cidade e suas iguarias. Ele juntou-se a uma jornalista e um fotógrafo para retratar a riqueza da comida de rua servida pela cidade. O projeto se transformou no Guia Carioca de Gastronomia de Rua, que mostra a culinária que resultou da fusão de culturas e da riqueza do espírito carioca.
O preconceito contra os quitutes da rua
Mas ainda existe muita gente, especialmente no Brasil, que torce o nariz para os bolinhos fritos, os espetinhos e enrolados, os salgadinhos e as sopas servidas a qualquer hora do dia. Existem, claro, questões como a preocupação com a higiene que fazem as pessoas se sentirem intimidadas de comer em um ambulante. “No Brasil, a comida de rua é vista como algo depreciativo, enquanto em metrópoles como Paris, por exemplo, é perfeitamente normal comer uma baguete com queijo do vendedor da esquina. E os turistas brasileiros se esbaldam com esse costume quando viajam para lá”, afirma o sociólogo Carlos Dória. “Aqui em nosso país, infelizmente, há pouca valorização da rua ou de qualquer outro espaço público. Por que seria diferente com o comer?”.
O chef Tom Kime aprendeu muito em suas andanças pelas calçadas do mundo, principalmente a valorizar esse tipo de comida e descobrir o que de revelador elas reservam. “Quando chegava a cidades desconhecidas, em geral eu começava pelo mercado de legumes e verduras, depois seguia para o mercado de peixe ou para o ponto em que os pescadores descarregavam suas mercadorias”, diz. Outra tática era ir para o lado oposto dos turistas e tentar seguir os habitantes locais para ver como e onde eles compravam e comiam.
A tradição também é outro bom indicativo para quem quer desbravar as cidades atrás de boa comida. “Se um ambulante está há cinco, dez anos em um mesmo ponto, e tem uma clientela cativa, ele merece meu crédito”, diz Bloch. Porque só a comida boa justifica as filas que dobram as esquinas nas ruas movimentadas atrás de uma barraca de cachorro-quente em Nova York, ou do barco que passa vendendo caldos e sopas no mercado flutuante da Tailândia. Já está na hora de dar à boa culinária popular, como a tapioca, os churros, a coxinha, a pipoca, o pastel, a empadinha, o merecido reconhecimento. E o melhor é que nada disso exige um restaurante, com mesas e cadeiras, para ser apreciado.